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 Material escolar

Princípios dos catataus ou a arte de fazer livros grossos

A obra média do cientista de hoje quer ser lida como um catálogo. Mas quando se chegará ao ponto de escrever livros como catálogos? Se o interior ruim penetrou no exterior desta forma, surge então um excelente texto, em que o valor das opiniões é cifrado, sem que com isso elas fossem postas à venda.

A máquina de escrever só tornará alheia à caneta a mão do literato quando a exatidão das formações tipográficas entrar imediatamente na concepção de seus livros. Provavelmente serão necessários novos sistemas, com configuração de escrita mais variável. Eles colocarão a inervação dos dedos que comandam no lugar da mão cursiva.

walter_benjaminUm período que, metricamente perturbado em seu ritmo, em uma única passagem, faz a mais bela frase em prosa que se pode pensar. Assim, por uma pequena brecha no muro, cai um raio de luz no gabinete do alquimista e faz relampejar cristais, esferas e triângulos. 

Nova Poética

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito.
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpicalhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:manuel_bandeira_violao

É a vida.

O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de se dar o desespero.
Sei que poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.

Administração do inútil

Nasci para administrar o à-toa
                                    o em vão
                                    o inútil.
Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Manoel_de_BarrosRetiro semelhanças de pessoas com árvores
                                de pessoas com rãs
                                de pessoas com pedras
                                etc etc.
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também sabedoria mineral.

 ♦♦♦♦♦♦  

Paulo_Leminski            Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
            para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.

           Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
                                           quem veio primeiro,
                                o ovo ou a galinha.

 Posto de Gasolina

A construção da vida, no momento, está muito mais no poder de fatos que de convicções. E, aliás, de fatos tais, como quase nunca e em parte nenhuma se tornaram fundamento de convicções. Nessas circunstâncias, a verdadeira atividade literária não pode ter como pretensão de desenrolar-se dentro de molduras literárias – isso, pelo contrário, é a expressão de sua infertilidade. A atuação literária significativa só pode instituir-se em rigorosa alternância de agir e escrever; tem de cultivar as formas modestas, que correspondem melhor a sua influência em comunidades ativas que o pretensioso gesto universal do livro, em folhas volantes, brochuras, artigos de jornal e cartazes. Só essa linguagem de prontidão mostra-se atuante à altura do momento. As opiniões, para o aparelho gigante da vida social, são o que é o óleo para as máquinas; ninguém se posta diante de uma turbina e a irriga com óleo de máquina. Borrifa-se um pouco em rebites e juntas ocultos, que é preciso conhecer. 

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