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Estudo de caso número 1 – O flerte e a guerra dos sexos

Estava eu sentado no metrô, como tenho feito sempre – já que o pego num dos pontos finais e normalmente encontro o conforto de viajar bem acomodado quando o trem parte desta estação, e assim permaneço se tiver em mãos um livro para ler ou um caderno para escrever. Uma ou duas estações depois, o vagão começou a ficar cheio e uma moça bonita, magra, alta, com um porte e um traje meio de modelo, meio corporativo, mas desses cargos mais inferiores, deparou-se em minha frente. Era elegante, mas não a custa de muito dinheiro, o que não parecia estar sobrando ali. Notei que usava um sapato de salto alto e, quando terminei de escrever, levantei-me e ofereci-lhe o acento:

_ Quer sentar, moça? Você está de salto…

Ela rapidamente sorriu e disse-me um “não, obrigada”.

Fiquei pensando sobre aquela frase e reparando nela, de rabo de olho, com a curiosidade aguçada de um investigador, porém fazendo de tudo para que não notasse, para que não julgasse ser apenas mais um caso vulgar de flerte. Mas, com isso, estava ao mesmo tempo flertando sub-repticiamente, sem entregar o jogo, porque o flerte é um jogo e a mulher que não corresponde ao flerte é sempre a vencedora. Ao agir de maneira tão disfarçada, eu também evitava o risco da não correspondência, que era iminente – dada a resposta que me dera àquela pergunta – e assim eu também saía ganhando um pouquinho.

Fiquei reparando nela porque intentava descrevê-la, já que emitia um ar discretamente sui generis. Sua roupa era toda preta, a calça social, a blusa de malha, as unhas pintadas num tom rosáceo quase semelhante ao natural da maioria das unhas de pessoas brancas, mas brilhante. Usava uma bolsa larga de tecido moderno, preta de bolinhas brancas, pendurada com uma corrente fina e prateada, em uma das mãos um anel com uma pedra grande, branca. E um par de brincos de “pérolas”. O sapato completava o visual quase de boa-moça, já que preto, porém de fabricação delicada, aberto na frente e com um polido e charmoso lacinho. O contraste de todas essas cores com sua cor de pele e cabelos, que não cabe aqui dizer quais são, era sutilmente harmonioso e marcante. Já a atitude corporal, logo em seguida à minha oferta, ainda que sob pesada dose de discrição – já que, se aparentasse demais, também ela estaria entregando o jogo – passou a emitir um ar de afronta, uma pose de punk, de mulher decidida, quase adolescente.

Quando uma cadeira vagou bem perto de nós, ela não reagiu, deixando que um outro rapaz grande e forte se sentasse. Encostou-se na parede dos fundos do vagão de braços cruzados, olhar blasé, sempre muito acima de minha cabeça, e um quase-sorriso nos lábios (esses quase-sorrisos sempre dão o que pensar).

Depois, segurou-se nos ferros, com uma mão na cintura, nessas poses que fazemos quando estamos indignados ou esperando, como quem não se importa. E, apesar de manter-se sempre o mais afastada possível de mim, continuava ao meu lado, e quase perdeu a porta certa de descer, porque foi a do lado oposto que se abriu para a saída dos passageiros…

Essa atitude toda me fez pensar no que “realmente” queria dizer a única frase que me proferiu. “Não sou obrigada a aceitar as convenções machistas dessa sociedade, nem de cair na sua cantada fajuta”, disse a garota? Ou “não vou me sentar, pois, afinal, sou obrigada a provar que sou uma mulher forte e decidida, feminista e livre, e que não preciso de homem nenhum, apesar de ser uma garota delicada e meiga, das unhas cor-de-rosa”?

Em meio a essas dúvidas, que talvez sejam as dela também, eu pensava o quão distantes estamos quando assim equiparados, distantes como pessoas, impossibilitados de nos vincular, e mesmo de conhecer o outro e de saber o que mais pensa das relações de gênero, sexo e boas maneiras. Digo “o que mais” porque cada gesto desses, cada cruzar de braços, cada “não”, cada forma de ficar em pé dentro de um transporte público, é a manifestação física do que pensamos. É nosso pensamento em ato, nosso corpo pensando com e sem palavras.

O sociólogo alemão Georg Simmel dizia que o flerte era uma forma muito comum de interação nas grandes cidades, inclusive em trasportes públicos como o metrô de Paris. O flerte correspondia a uma relação fugaz, misteriosa, aberta, comum a um ambiente como o espaço público das grandes cidades, no qual nos deparamos com pessoas com as quais podemos não ter nenhum vínculo prévio ou posterior, mas com quem dividimos a mera e fundamental condição de estar juntos.

A experiência de Simmel vem da virada dos séculos XIX e XX. Hoje, creio eu, vivemos um momento mais avançado de impersonalização de certas relações no espaço público. O flerte no metrô, hoje em dia, parece-me cada vez mais evitado, negado, talvez até proibido. Com a nova era do “assédio sexual”, até flertar parece ter se tornado uma prática de risco.

Na mesma viagem, vários minutos depois, visualizei uma garota de cuja fisionomia lembro-me vagamente, bela mas nem tanto, não uma beleza comum, mas um comum belo.

Comecei com ela um jogo de fixações e desvios de olhares. A brincadeira era tentar perceber qualquer vestígio de que ela pudesse estar me olhando. Meus olhos desviavam, às vezes fechavam o foco nela, às vezes circulavam por seu rosto, enquanto seus próprios olhos circulavam pelo ambiente, com um certo brilho, tentando evitar os meus.

Ficou longamente parada, em pé (como eu), na mesma posição, com o rosto posicionado de tal forma que eu podia vê-lo diretamente e que talvez ela pudesse me ver pelo canto do olhar, as feições talvez calculadamente serenas, e aquele mesmo quase-sorriso nos lábios (lábios não tão chamativos quanto os da outra moça, entretanto).

O vagão não estava tão cheio. Se estivesse incomodada comigo, poderia facilmente se mover ou desviar a posição do rosto para outro lado. Mas não o fazia.

Até que cansei, resolvi pedir um tempo, fingi real desatenção e passei a mirar a janela do vagão. Nesse momento ela relaxou-se toda: balançou os braços, mexeu a boca, ajeitou a bolsa, respirou. Pareceu-me ligeiramente embaraçada quando percebeu que eu percebera seus movimentos. Mas em momento algum encarou-me diretamente nos olhos.

Dados esses dados da experiência direta e considerados outros fatores de minha vida que não vêm ao caso mencionar, decidi que de agora em diante, por período indeterminado (pode ser um dia, uma semana, um mês, pode ser até o carnaval chegar) levarei a cabo o seguinte experimento na área das políticas sexuais: não mais iniciarei flerte com mulheres, seja na forma de olhares ou palavras e, caso não possa resistir a uma olhadela, serei discreto a ponto de não entrar no jogo.

O objetivo desse experimento é testar se tal prática (ou contra-prática) pode vir a gerar algum tipo de mudança de comportamento das sujeitas à pesquisa, descobrir também qual será minha reação a esta nova situação (se paro de uma vez de me preocupar com a mulherada), ou mesmo descobrir se haverá alguma dose de melhoramento na minha qualidade de vida quando alhear-me às angústias e diversões desse jogo tão mal jogado ultimamente pela raça urbana.

Tornar-me-ei uma pessoa mais focada, com menos desvios de olhar? Ou devirei cada vez mais um “in”divíduo insensível, impessoal, com a alma de burguês e o corpo de proletário, incapaz de entregar-me de corpo e alma às situações?

(Se me vierem com a ladainha femista de que me tornarei um cara mais romântico e sensível, eu levantarei minha bandeira masculista em debate tão intenso e acalorado que, no geral, será vencido por mim, infelizmente, por WO. O que também será minha maior derrota.)

Dessa experimentação não pretendo tomar notas. E, dependendo de quais forem os resultados, eles jamais serão divulgados.


Estudo de caso número dois – Brasileiro gosta mesmo de fila?

Quando em fim já saída da estação do metrô para pegar a chamada “Ponte O.R.C.A” – um trajeto de micro-ônibus entre duas estações de metrô e trem não conectadas por vias férreas, coisa de brasileiro, diga-se, afinal desde a virada da Era do Café para a Era da Borracha temos tido preferência por automotores correndo no asfalto, ao invés de trens –, fui em direção aos micro-ônibus, sendo todavia alertado pelos funcionários responsáveis de que eu deveria pegar a fila do outro lado.

A fila encaracolava-se em zigue-zague por todo o saguão da estação, saía pela porta de trás, dava a volta pela calçada ao redor do prédio e voltava assim para a porta da frente, onde eu tentara inocentemente embarcar no businho.

Entrei normalmente na fila, como faço de costume, e comecei a reparar nas caras das pessoas. No meio dessa reparação, veio-me um repente – ou uma “epifania”, como dizem os moderninhos, por influência das séries de TV norte-americanas – e me perguntei: afinal de contas, como essas pessoas todas são obedientes! Existe ali uma multidão e cada um entra na fila tranqüilamente, sem uma expressão de revolta, sem uma reclamação, sem um A.

Rindo-me e olhando ao redor, cogitei a proposta de um experimento, que aqui divido com o leitor, para que possa levar a cabo por sua própria conta, tomando parte voluntária nesse laboratório de políticas corporais coletivas. Um grupo de pessoas, previamente combinado, adentraria à fila da O.R.C.A., cada pessoa bastante afastada uma da outra, e cada um começaria fazer comentários em voz alta de desagravo em relação àquela situação. Uma começaria, então, a responder os desagravos da outra, criando quase uma conversa coletiva.

Como reagiriam as outras pessoas? Elas também levantariam sua voz? Elas movimentariam seus corpos de alguma maneira imprevisível à rotina de uma fila?

Caso o experimento tomasse proporções maiores, seria aconselhado que fosse revelado aos demais participantes involuntários, num momento oportuno. Afinal, todo “contrato social” precisa ser explicitado quando a intenção é experimentar com ele.

Já em casa, conversando com minha mulher sobre meus planos de pesquisa, sobre o flerte e sobre a fila, o relato que me deu de seu próprio comportamento no jogo do flerte confirmou ainda mais minhas suspeitas quanto à estratégia de jogo feminina. Mas, quanto à fila, ela ponderou que nos pontos de ônibus e nas entradas de vagão a mesma costuma ser pouco respeitada, quase sempre furada e que, no momento de entrar nos transportes públicos, as pessoas se aglomeram de forma desordenada e pouco polida. E que aquele comportamento ordeiro que eu presenciara era típico não de qualquer brasileiro em qualquer fila, mas sim da fila da ponte O.R.C.A.

Mas por quê, pensamos? Seria porque na fila da ponte O.R.C.A existe um elemento a mais de controle: aquele papelzinho que nos entregam na catraca do metrô e que devemos mostrar para o fiscal na porta do micro-ônibus? Portanto, brasileiro só é bem comportado em fila quando tem um papel na mão, e a materialidade do papelucho tem um poder soberano tão grande que jamais é questionada? Somos mesmo cidadãos de papel, como diria o outro? É o pedaço de papel a verdadeira dádiva estatal que nos faz estar juntos?

Fica aí a pergunta. Quem quiser, pode tentar respondê-la na prática, com o papel, o corpo, a voz e a alma.

( Primeira versão do texto publicada em http://punkcanibal.zip.net )

It’s almost impossible to talk about this quite unknown thinker. Before any consideration the reader must to know Jean-Michel Chabineau. He had huge influence in Federalists thinkers as well as in early north american poetry. Nowadays this author is on focus because of his strongest innovations in the social (and now sports) sciences. In order to create a new perspective concerning the man as a whole, the philosophers, sociologists, anthropologists, and the new school of Liverpool Literature reinvented (as wrongly as possible) the ideas of Chabineau taking the concepts of “transfused place”, “unforgettable moment” and “unbelievable true” in others pathways. Among them, John Chipsantufinf, Maverick Nelson, Striped Horhernberg, Franz James and the main one Judith Aron. The structure of Chabineau’s work is based “in the out-structure of life in a way to reach the ‘real’ unreal place of self experience in the world of nature and things” as he wrote (J-M Chabineau, 1837 Apud J. Aron, 2008: pp. 474).

The influent Chabineau’s work in the thought of these authors was From the Largest Way of New Man (translated from the French edition [1837] by Walt Whitman), an impressive book about the Australian aborigine fundamental life trends in religion and new cultural practices. Chabineau wrote “the new practice in the descriptions of the aborigine’s experience, for the man of Cockatoo, in those days, was like the ‘barbarians ride killing people through the lands of Middle East and Europe. Then, over the Turkish highlands, they took the revelation of a new religion dislocating from one place to another by the board’And so, the Australian took the idea from Hawaiian Black Trunk” (J-M Chabineau Op. Cit. Apud J. Aron: pp. 477). In recent anthropological production we find his echoes in Marshall S.’s world famous Histories of Islands about the myth of Lono’s board and the sorcery in black nights over the neophytes. Chabineau’s ethnography is an emphatic description of Australian practice, showing how they became the first people to take the board as a new public and ecologic transport.

The Cockatoo

The Man of Cockatoo from Melville Island, coast of Arnhem Land. Probably the First Unbelievable One.

That was a new practice. At that time, the aborigines translated the language of the Old Board Spirit, now the perspectives (or the contortionisms) are trying to draw this kind of ‘aura’. On the myth of the Old Spirit Chabineau wrote: “Once upon a time, a kid is playing outside home, when a great Nadia attacks him. The Old Spirit, listening to the child’s shouts, brought him the object of Civilization: the board. The kid took it flying away from Nadia’s poison and left Melville Island“. This is the way J-M Chabineau describes the ritual in his ethnography. The child became the first boarder and the Man of the Cockatoo Totem. The Demiurge!

Chabineau’s ethnography is the true work of the so called 80’s turning point of the anthropology (as they called it in the USA) criticizing the “representation” as cultural images in the “classic anthropology”. So the Bulgarian and Kazakhstan liminal origins of Chabineau shows a great influence in the anthropological thought of 80’s and the opened tendencies concerning outside research’s objects of social practice.

Aula de teatro. Num esforço de transfiguração… desencontro de mãos, pés, emoção e consciência. Me desespero com a minha própria precariedade.

Crio escape do palco: sento-me em frente de outro, fito seus olhos. São esses os poucos instantes de mim: sem medo, cheia de comunicação, só pulsão. Daquele momento, restou o texto, gesto de palavra:

 

Vou pedir pra vcs se levantarem e se espalharem,

apropriem-se da mesa, sentem-se onde quiserem.

 Não sei ser no palco separado, dividido; só sei ser entre a gente. Por entre a gente.

O palco me é estranho.

 Me dissolvo na platéia, crio o corpo coletivo.

Mas sou platéia que não adormece, mantenho-me FAMINTA.

A toalha não é branca, não. É vermelha. Terra roxa.

 Da platéia crio palco e mesa.

Me alojo na BRECHA, na fenda. No OMITIDO, naquilo que parece esquecido.

Mantenho-me FAMINTA. Cheia de vida, em condições precárias.

 

’Vem por aqui’- dizem-se alguns com olhos doces,

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: ‘Vem por aqui!’

 

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há nos meus olhos ironias e cansaços)

E nunca vou por ali…

 

A minha glória é esta:

Criar constrangimento!

Não sentar em mesa pronta.

– Que eu vivo com o mesmo sem vontade

Com que rasguei o ventre a minha mãe.

 

L., trouxe-lhe uma taça. Sirvo-lhe vinho até derramar. A embriaguez alimenta.

 

Vem por aqui, dizem-me alguns com olhos doces

O DESVIO é o meu prato.

Não tive nem pai nem mãe,

Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo

 

C.: marmita de pensão na quarta-feira: dia de fartura. No primeiro compartimento: Feijoada. No segundo: Arroz e farinha. No último: laranja e couve.

 

Mantenho-me FAMINTA. Cheia de vida em condições precárias. 

 “Corre em vossas veias sangre velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o longe e a miragem”

 

Sou fruto de uma burguesia decadente, moralmente indecente, alucinadamente coerente.

 

C.: sirvo-lhe manjar com calda de ameixa em prato de porcelana francesa, com relevo na borda. Ah… uma colher de prata com seu próprio nome grafado.

 

Não, não vou por aí!

Só vou por onde me levam meus próprios passos…

Se não podes me oferecer o que me alimenta,

Por que me repetis: “Vem por aqui?”

 

N.: quinoa. O extraordinário no cotidiano. Acabou de ser cozida. Suave na boca, delicadamente doce, alimento potente.

 

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga “vem por aqui”!

 

F.: marmita de bóia-fria, Nossos sheikes do Pro-Alcool. Uma caixinha de metal, que provavelmente tem só arroz e meio ovo cozido. Mas não vou abrir, não. Gosto da intriga que lhe causa. Gosto da dúvida.

 

Eu que nunca principo nem acabo.

Me alojo na BRECHA, na fenda. No OMITIDO, naquilo que parece esquecido.

 

J.; milho verde bem branquinho. Quente e novo. No começo come-se com cuidado, pra sentir os grãos estourarem na boca, mas logo agente se lambuja.

 

O DESVIO é meu prato.

 

R.: chocolate com gengibre. Embrulhado pra presente, com um flor, não qualquer flor não… um cravo vermelho, porque dá pra comer também.

 

Eu tenho minha LOUCURA!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

 

G.: um caju, sem prato, só um caju. Fruta de gosto nada fácil, sem açúcar vulgar. Colorida e com cera por fora, inquietante por dentro: a gente tem vontade de morder, mas tenta só chupar, comida que nunca se contenta com a boca, escorre pelo pescoço.

 

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios

Eu, tenho minha loucura

Levanto-a como um faço a arder na noite escura.

O palco me é estranho.

 

A.: cuia com bolota de farinha, feijão e frango. Use apenas a ponta desses três dedos para ir tirando pedaços devagar.

 

A toalha não é branca, não. É vermelha. Terra roxa.

Porque comida é pra compartilhar. Gente para experimentar.

Bom APETITE.